De repente, na exuberante paisagem de São José, a dois passos do mar, tinha-se aquele genuíno quadro campeiro: uma mangueira redonda embaixo de um pé de jabuticaba. Instalada no bairro Benfica, que anos mais tarde passaria a ser chamado de Forquilhinhas, essa mangueira redonda pertencia a Andrino Manoel dos Santos e foi adaptada para o manejo de gado em 1968, pois Andrino e seus irmãos trabalhavam com abate e venda de carnes.
Em determinadas épocas do ano, a farra-do-boi e boi-na-vara ou vassoura eram folguedos açorianos muito praticados no litoral próximo a Florianópolis. Doze amigos participavam com freq¨ência de tais farras, assim como de festas e bailes na região. Gostavam também de programar brincadeiras de laçar na mangueira redonda. Eram eles: Aduci Manoel Fernandes, Andrino Manoel dos Santos, Antônio Crispim da Silva (falecido), Aurino Manoel dos Santos, Dário Lino da Silva, Eduardo Alfredo Schutz (o Didi), Frederico Muller (o Dico), Miguel Tomaz Perez (falecido), Pedro Cantalício Vidal (o Pedro Campolino, falecido), Valdir Manoel dos Santos (falecido, Valmor Rosar (o Tio Môca) e Valmor Schmidt.
Com o passar do tempo, os doze foram desenvolvendo um interesse cada vez maior pelo cavalo, pelo laço e pelos rodeios, que passaram a freq¨entar com assiduidade, em lugares como Tijucas, Tubarão, Lauro Muller, Bom Jardim da Serra, Bom Retiro. Mas o principal, bem sabiam eles, era o que se realizava em Vacaria, no Rio Grande do Sul. Um dos doze integrantes do grupo, Valmor Schmidt, possuía uma boa relação de amizade com o patrão do CTG vacariano Porteira do Rio Grande e já havia comparecido a algumas festividades campeiras daquele centro. O Porteira do Rio Grande era um exemplo instigante de sociedade tradicionalista.
Como os doze amigos “açorianos” já estavam envolvidos nas brincadeiras de farra-do-boi (sobressai na memória de todos a destreza de farrista de Miguel Tomaz Perez, o Miguelão) e já haviam participado de várias festas por aí a fora, resolveram criar seu próprio rodeio. Mais que isso: decidiram fundar um legítimo Centro de Tradições Gaúchas em São José. Tudo aconteceu de um modo informal, sem nenhuma ata oficializando o acontecimento. Foi algo muito espontâneo e singelo. Na ocasião, por unanimidade, Valmor Schmidt foi consagrado como o primeiro Patrão da sociedade.
Lembra Schmidt que, ao comentar com os amigos tradicionalistas de Vacaria que ele e seus companheiros haviam fundado um CTG e iriam realizar um rodeio, em tom de brincadeira o pessoal do Porteira lhe indagou: “Vocês vão laçar o quê, nunca vimos gado por lá?” De pronto, no mesmo tom irônico, veio a resposta: “Vamos laçar um sirizinho, o que vocês acham?” Aquele jeito caçoador de se tratarem mostrava muito bem o grau de amizade já existente entre os componentes dos dois CTGs. No correr do tempo, os vacarianos iriam ter uma participação importantíssima nos primeiros rodeios dos Praianos.
Destaca-se aqui que, nessa época, Pedro Cantalício (o Pedro Campolino) possuía na localidade de Terra Fraca, no município de Palhoça, uma propriedade com rebanho de gado e uma cancha para laçar. Essa cancha, que já era freq¨entada por amigos como Eduardo Alfredo Schutz (o Didi), Antônio Crispim e Frederico Muller, passou a ser também utilizada pelos demais amigos do grupo dos doze que fundaram o CTG e que vinham, nos finais de semana, laçando no então chamado bairro Benfica.
A união fortaleceu-se. Mesmo enquanto o Centro de Tradições não estava ainda legalmente constituído e não tnha um patrão oficial e nem sequer um nome, os doze amigos começaram a edificação da cancha de laço, bretes e um galpão sem paredes. Foram praticamente dois anos de trabalho para a construção da primeira sede do CTG de São José.
Em 1972, meados do mês de junho, acontecia a fundação do CTG, que recebeu a denominação de Os Praianos. Conforme depoimento do fundador Eduardo Schutz, dois outros nomes foram também sugeridos: Menino da Porteira e União Josefense. Mas o nome lembrado por Valmor Schmidt mereceu a unânime aprovação dos fundadores. Na oportunidade Valmor foi oficialmente escolhido como patrão da sociedade. No local onde foi construída a 1ª Sede dos Praianos, localiza-se atualmente a Igreja Matriz São Francisco de Assis.
Fonte: Trechos do livro – CTG OS PRAIANOS – 30 Anos de Tradição
Por quais razões 12 descendentes de açorianos, com o mar diante dos olhos desde que nasceram e sempre cercados pela tradição de seus antepassados, foram levados a fundar um Centro de Tradições Gaúchas? Os oito fundadores do CTG que estão vivos reagiram a esta questão, sugerindo três explicações.
A primeira explicação é que os moradores do litoral conheciam a importância do cavalo em relação ao homem, quer para servi-lo no transporte, quer para o manejo de rebanhos.
Há mais de dois séculos circulavam “de serra acima para serra abaixo” tropeiros com animais para serem negociados, trazendo charque e couro e daqui levando sal, farinha e açúcar. Tal movimentação comercial levou pessoas do litoral a se interessarem pela comercialização e pelo abate de bovinos, o que foi criando pontos de contato com os hábitos campeiros. Essa é considerada uma razão fortíssima para a fundação do nosso CTG, pois nada menos de 90% de seus 12 fundadores, de uma forma ou de outra, lidavam com gado.
A segunda razão sugerida é que, nas dácadas de 60 e 70, a farra-do-boi era uma prática muito comum na região litorânea. Vários dos fundadores também a cultivavam, brincavam com os farristas, utilizavam seus cavalos para controlar o boi. Como essa festa tradicional começou a sofrer questionamentos da opinião pública, chegando mesmo a ser proibida no estado, o uso da cancha de laço no CTG revelou-se uma alternativa simpática à população e de pleno agrado dos fundadores.
A terceira razão tem um caráter subjetivo, espiritual, e as outras nada significariam se ela não tivesse existido. Trata-se da exemplar afinidade que entre si mantinham os fundadores, aquela camaradagem de que falamos ao abrir essa história do CTG. Eram sólidos os vínculos que os ligavam. Por obra da amizade é que a entidade nasceu. Nasceu e cresceu, pois amigos foram indicando amigos, tanto para o quadro social quanto para a formação das patronagens.
Afirmam os fundadores que nunca iriam imaginar que a semente plantada em 1972 fosse germinar tão bem e resultar na majestosa árvore que é hoje. Considerada a maior sociedade de culto à Tradição Gaúcha existente em Santa Catarina e uma das mais respeitáveis da América Latina, o CTG dá um vivo sentimento de realização pessoal a cada um dos que o criaram e o mantiveram até essa data. Os Praianos estão plenamente identificados com a comunidade do litoral e gozam de um prestígio incomparável, impondo-se como um exemplo de instituição civil organizada. Fundadores, patrões e colaboradores tiveram cada um seu estilo de trabalho; houve, no discurso do tempo, debates e até divisões, mas tudo sempre acabou resultando em crescimento e harmonia.
Ocorre-nos uma comparação: cada mandato de patronagem, cada exercício de cargo foi como um chimarrão que, bem cevado ou lavado pelas dificuldades, passou de mão em mão, no ritual de integração por uma causa.
Vigoroso aos 34 anos de lutas e conquistas, obra de muitos irmãos, o CTG Os Praianos será cada vez mais o que o sonho quis: um espaço de alegria, fraternidade e beleza na querência de nossa vida.
Fonte: Trechos do livro – CTG OS PRAIANOS – 30 Anos de Tradição